Livro do escritor americano em favor das bombas confunde a esquerda.
De tudo que a literatura emprestou ao cinema, pouca coisa foi melhor do que o romance de John Steinbeck, "As Vinhas da Ira", escrito em 1939 e que o mítico John Ford levou às telas no ano seguinte com Henry Fonda no papel principal.
O escritor morreu em 1968, o ano tresloucado das revoltas juvenis e das revoluções comportamentais provocadas pelo tripé sexo, droga e rock ‘n' roll, pregado pelos Rolling Stones. Steinbeck não viveu o redemoinho cultural.
Mas todo esse tempo desde o livro e o filme, sua obra gerou simpatias marxistas pela temática operária, pela luta sofrida das famílias humildes em busca de terra, trabalho e pão, o triunvirato propagandístico dos partidos comunistas nos anos pós Segunda Guerra Mundial.
Steinbeck, de quem li aos 16 anos dentro dos ônibus das empresas Guanabara e Unidos, linha Rocas-Quintas na ida e volta do Colégio Winston Churchill, o romance "O Destino Viaja de Ônibus", perdeu a admiração vermelha um dia.
Foi quando recuperaram um texto do autor produzido em 1942 por encomenda do governo dos EUA para que tivesse o efeito publicitário de convencer as pessoas sobre a importância da corrida armamentista do país do Tio Sam.
Em "Bombas Fora - História de um Bombardeio", o livro escrito vinte anos antes de ganhar o Nobel de Literatura (1962) foi um libelo em favor da indústria bélica e do uso de armas potentes na Segunda Grande Guerra.
O conteúdo não demora para se perceber uma cumplicidade intelectual do escritor com a operação que levou os militares dos EUA a jogarem as bombas atômicas sobre as cidades japonesas de Nagasaki e Hiroshima.
O cara que mostrou em "As Vinhas da Ira" a família pobre lutando contra a força financeira e pedindo justiça e dignidade, é o mesmo que enalteceu a ação militar radical, sem preocupação com as comunidades civis do Japão.
Diz, ufano, aos jovens: "Essa geração perdida em corridas de carro e vida camponesa (refere-se aos urbanos e rurais) deveria atender à responsabilidade de defender seu país. Vamos à guerra, com a nova fortaleza aérea".
A tal fortaleza era uma referência aos aviões B-17 e B-24, ou Flying Fortress e Liberator, aqueles que o próprio presidente Roosevelt chamava de "a melhor de nossas armas", defendendo abertamente a tática dos bombardeios.
As duas aeronaves abriram os caminhos tecnológicos para a fabricação dos B-29, exatamente os que foram usados para detonar as duas cidades. O livro tem de tudo em relação ao ufanismo patriótico sustentado na cultura das armas.
Steinbeck faz até exercício de análise metafísica disfarçada de metalinguagem para explicar a relação dos aviões batizados com nomes de mulheres (Little, Eva, Elsie, Nola) com a mística masculina dos jovens soldados americanos.
"Isto obedece a um rasgo típico norte-americano de estabelecer uma boa relação de afeto com sua máquina, de dotá-la de vida". Noutra parte do texto, exibe sua compreensão socioideológica dos soldados no campo de batalha.
"Sobre esses novos seres, os soldados, antes simples golfinhos de barro, agora têm seus corpos perfeitos, a cabeça mais alta, se detecta um certo brio durante a marcha", vomita o escritor em letras movidas a sangue e bombas.
Com a publicação do perdido livro bélico de 1942, fico imaginando a cara dos esquerdistas latinos pensando nas vezes que discutiram a obra de Steinbeck como quem festeja um documentário de Michael Moore. Os mesmos que revisitaram "As Vinhas da Ira" como contemplando a revolução agrária do MST.